28 novembro 2007

Blackout

Logo que chegamos aqui, uma das coisas mais difíceis de aprender foi atravessar a rua: simplesmente passar da calçada para o asfalto naturalmente, sem parar para ver se vinha algum carro. Ou principalmente quando vinha um carro, pois eles sempre param para deixar o pedestre atravessar. Demorou um tempo para perdermos o reflexo condicionado de paulistano de encarar qualquer carro como um potencial assassino.
Pode ser que os motoristas tenham mais respeito e bom senso, ou pode ser que tenham medo dos processos por atropelamento. De fato, vemos muitas propagandas (amricanas, é verdade) de advogados especializados nesse tipo de acidente ("Hurt in a car? Call William Mattar!"). Por outro lado, com muitos anos de experiência como pedestre convicto, não descarto a possibilidade de que os motoristas de São Paulo tenham menos respeito porque, no Brasil, quem tem carro é necessariamente "melhor" que quem não tem, no melhor espírito oligárquico.

Hoje pude presenciar mais um fato "impressionante" em Toronto. Estava trabalhando normalmente (como todos devem se lembrar, trabalho em downtown, no Old Distillery District). Como estava implementanto uma nova funcionalidade em uma parte do programa que eu não conhecia, passei quase todo o dia estudando e fazendo testes e, quando finalmente entendi o que precisava ser feito e comecei a alterar todos os arquivos envolvidos, a energia acabou! É claro que eu ainda não tinha salvado nada... De qualquer forma, lá pelas cinco da tarde as luzes ainda não tinham voltado e fomos dispensados. Até então eu ainda pensava que fosse um problema no meu escritório, ou no prédio, quando vi que o elevador também não funcionava. Só quando cheguei no primeiro cruzamento é que percebi que os semáforos também não estavam funcionando. De fato, tratava-se de algo muito maior.
Mas foi só ao chegar no terceiro cruzamento a caminho do meu ponto do streetcar é que percebi que estava faltando alguma coisa. Era o começo do pico de trânsito, em pleno centro da cidade e ninguém estava buzinando. Ninguém mesmo! Fui até o centro, pois pego o subway na esquina da King & Yonge, onde ficam os enormes edifícios de bancos, e em todo o trajeto não ouvi nenhuma buzina. E o trânsito fluía quase normalmente. É claro que, sem os semáforos, estava mais congestionado. Entretanto, de alguma forma os motoristas sabiam quando passar e quando ceder a vez, sem muita complicação. Tentei me lembrar das inúmeras vezes em que a primeira chuvarada deixava todos os semáforos da Ibirapuera piscando no amarelo e da confusão ensurdecedora que se seguia, mas essa não é uma recordação que eu guardo com muito carinho.

Não acho que os canadenses, em particular os torontonians, sejam pessoas exemplares, e tenho visto muito individualismo e bairrismo por aqui. Porém também tenho visto que isso não impede que as pessoas sejam respeitosas. Ainda é cedo para tirar conclusões, para definir quais as regras e quais as exceções, mas, por enquanto, estou gostando do que estou vendo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Realmente, nada como ir a um cruzamento no centro da cidade quando o semáforo está apagado pra ver a diferença. Cada um tem sua vez, até o pedestre pode atravessar sem muito medo mas parece que todos esperam a sua vez...

Não vi o tal blackout... será que foi só lá pra baixo mesmo?

Anônimo disse...

Nossa, tem hora que eu dou aquela brecada na hora de atravesar a rua... até cair a ficha e eu lembrar que posso passar tranqüila que todo mundo vai esperar!

Fernanda Fatio disse...

"Demorou um tempo para perdermos o reflexo condicionado de paulistano de encarar qualquer carro como um potencial assassino"

Estou em Vancouver há 5 anos e ainda não desacostumei. Não sei se é por trauma (já fui atropelada) ou por causa da má iluminação das ruas, principalmente nos bairros residenciais, ou por saber que tem um povo que dirige mal pra burro nestas bandas (recentemente foi descoberto um sistema de compra de carta pelos chineses - remind you of something?)... pelo sim, pelo não, fico de olho... :-P